Rosa-dos-Ventos

No livro da vida não se volta quando se quer, a página já lida, para melhor entendê-la;
nem pode se fazer a pausa necessária à reflexão.
Os acontecimentos nos tornam e nos arrebatam às vezes tão rapidamente
que nem deixam volver um olhar ao caminho percorrido.
(José de Alencar, in Lucíola)

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sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Ao falar em arte: parte III


Viver é a coisa mais rara no mundo. A maior parte das pessoas apenas existe.
(Oscar Wilde)





Calvin: Às vezes eu penso que o sinal mais forte da existência de vida inteligente em outra parte do universo, é que eles nunca entraram em contato conosco



Arte em quadrinhos.
Calvin, retratando a vida pelos olhos de uma criança, e Haroldo, um felino dotado de bom senso (na maioria das vezes), lembram-nos de manter acesa a chama da criança que somos, que geralmente é apagada com o advento da 'maturidade'.
Nessa arte, o autor, William Watterson, mostra sua habilidade de expor verdades, revelando-nos o mundo sob uma perspectiva infantil... um tanto filosófica.


Bem feito


Calvin: Ei pai! Aqui fora! …nem acredito que ele está alí sentado.
Calvin: Por que ele não olha pra cá?
Haroldo: Ele parece ocupado.
Calvin: É, mas não podemos ficar aqui o dia todo! Chega, vamos embora.
Haroldo: Se ele olhasse, podíamos dar uma carona para ele.
Calvin: Humpf, deixa ele pegar o ônibus fedido. Bem feito por não olhar pela janela de vez em quando.



Simples na aparência, mas o conteúdo dos quadrinhos se releva significativo, com humor, é claro, tocando-nos de um jeito ou de outro - dando a impressão que estamos junto nas encrencas e diversões...




Calvin: Vá em frente. Você consegue desviar de todas árvores.
Calvin: Você consegue. Você vai parar antes de chegar no limite daquele precipício lá em baixo.
Calvin: Você nem vai cair no riacho. Além disso, a camada de gelo está bem espessa. Vá em frente.
Calvin: Meu cérebro está tentando me matar.



Calvin and Hobbes (Calvin & Hobbes em Portugal, Calvin e Haroldo no Brasil) é uma série de Banda Desenhada/História em Quadrinhos criada, escrita e ilustrada pelo autor norte-americano Bill Watterson e publicada em mais de 2000 jornais do mundo inteiro entre 1985 e 31 de dezembro de 1995, tendo ganho em 1986 e 1988 o Reuben Award, da Associação Nacional de Cartunistas dos EUA.
Calvin é um garoto de seis anos de idade cheio de personalidade, que tem como companheiro Hobbes, um tigre sábio e sardónico, que para ele está tão vivo como um amigo verdadeiro, mas para os outros não é mais que um tigre de pelúcia. De acordo com algumas visões, as fantasias mirabolantes de Calvin constituem frequentemente uma fuga à cruel realidade do mundo moderno para a personagem e uma oportunidade de explorar a natureza humana para Bill Watterson.
Ao fim de dez anos de publicação, os fãs consideram Calvin & Hobbes uma obra prima pela sua visão única do mundo, pela imaginação do protagonista e pelas situações insólitas que se estabelecem.
Watterson abandonou a criação que o tornou famoso em 1995, embora as tiras continuem em publicação em vários jornais, incluindo o português O Público e o brasileiro O Estado de S. Paulo, primeiros jornais em seus respectivos países a publicar a tira.
A última tira inédita foi publicada a 31 de Dezembro de 1995.
A inspiração dos nomes e Calvin e Hobbes
O nome de Calvin foi inspirado no reformador religioso do século XVI, João Calvino, que discorreu, entre outros, acerca da depravação total do homem, ou seja, que o homem está naturalmente inclinado para promover o mal a seu próximo.
Hobbes recebeu o nome de Thomas Hobbes, o filósofo inglês do século XVII que tinha aquilo que Watterson chamou de "uma visão obscura da natureza humana", sendo o autor da famosa máxima "O homem é o lobo do homem" — ou seja, cada homem é o predador de seu próximo. De acordo com Watterson, a fonte dos dois nomes é entendida como uma piada para as pessoas que estudam ciência política e filosofia, e que poucas outras pessoas a iriam perceber.
(Fonte: Wikipédia) 


Orgulho de não ser humano


Calvin: Acredita nisso? Algum idiota jogou lixo nesse lugar lindo.
Calvin: Eu aposto que as civilizações futuras vão descobrir mais sobre nós do que o que gostaríamos que eles soubessem.
Calvin: Olha, outra lata jogada no chão. Rapaz, isso me deixa brabo!
Calvin: Que coisa. Se não estão enterrando lixo tóxico ou testando armas nucleares, estão jogando lixo em todo canto!
Calvin: Eles pensam que planetas como esse são fáceis de encontrar? Agora sou eu quem tem que levar isso.
Haroldo: Sabe, as vezes é um orgulho muito grande não ser humano.
Calvin: Estou contigo.



Os personagens segundo o autor

"O nome Calvin veio de um teólogo chamado John Calvin (1509-1564) que acreditava em predestinação. A maioria das pessoas acham que "Calvin" vem do nome de uma filho meu, ou então que o personagem foi baseado nas memórias da minha própria infância. Para falar a verdade, eu não tenho filhos e, na minha infância, eu fui uma criança muito calma e obediente, praticamente o oposto de Calvin.
"Uma das coisas mais divertidas em escrever sobre o Calvin é que, geralmente, eu não concordo com suas atitudes. Muitas das facetas do Calvin são, na verdade, faces de mim mesmo. Eu suspeito que grande parte de nós envelhece sem crescer, e dentro (às vezes não tão dentro) de cada adulto existe uma criança que quer que tudo aconteça de acordo com sua vontade.
Eu uso o Calvin como um modo de deixar minha maturidade fluir, como uma maneira de manter a minha curiosidade sobre o mundo natural, como uma maneira de ridicularizar as minhas próprias obsessões, e comentar sobre a natureza humana. Eu não gostaria de ter o Calvin na minha casa, mas no papel ele me ajuda a levar a vida e a entendê-la."

O nome Haroldo veio de um filósofo do século 17, Thomas Hobbes, que tinha uma visão obscura da natureza humana.
Haroldo tem a dignidade, paciência e o bom senso da maioria dos animais que conheci. Haroldo foi muito inspirado em uma gatinha cinza, a Sprite. Ela não só me forneceu as características faciais e a idéia do corpo longo de Haroldo, como foi um modelo para sua personalidade única. Ela era bem-humorada, inteligente, amistosa, e me entusiasmava o jeito que ela chegava de mansinho e me dava o bote. Sprite sugeriu a idéia de Haroldo receber Calvin na porta em pleno ar e em alta velocidade.
Como a maioria das histórias de animais, o humor vem de seu comportamento humano. Haroldo fica de pé e fala, mas eu tento preservar seu lado felino, tanto em seu comportamento físico quanto na sua atitude. Sua privacidade e tato parecem muito felinas para mim, junto com seu contido orgulho em não ser humano. Como Calvin, eu normalmente prefiro a companhia de animais a pessoas e Haroldo é minha idéia de amigo ideal.
As duas versões de Haroldo é, algumas vezes, mal entendida. Eu não penso nele como um boneco que milagrosamente ganha vida quando Calvin está por perto. Também não penso nele como um produto da imaginação de Calvin. A natureza da realidade de Haroldo não me interessa, e cada história foge desse caminho para evitar resolver a questão. Calvin vê Haroldo de uma maneira e todos os outros vêem de outra maneira. Eu mostro duas versões da realidade e cada uma faz total sentido para os participantes que as vêem.
Eu acho que é assim que a vida funciona. Nenhum de nós enxerga o mundo exatamente da mesma maneira, e eu simplesmente desenho isso literalmente na tira. Haroldo está mais para a natureza subjetiva da realidade do que bichos de pelúcia ganhando vida. "




Calvin: Que dia sacal.
Calvin: Ahhhh…
Calvin: Terapia de pelos.



O autor revela...

"Os melhores quadrinhos expõem a natureza humana e nos ajudam a rir da nossa própria estupidez e hipocrisia. Eles se permitem exagero e absurdos, ajudando-nos a ver com outros olhos o mundo e recordando-nos de como é importante brincar e ser ridículo.
Quadrinhos retratam os eventos comuns e mundanos da nossa vida e nos ajudam a lembrar da importância de pequenos momentos. Astutamente, eles resumem os nossos pensamentos e expressões não exprimidos. Às vezes, eles mostram o mundo da perspectiva de crianças e animais, encorajando-nos a ser inocentes por um momento. Os melhores quadrinhos, isso quer dizer, são espelhos de casa maluca, que distorcem aparências apenas para nos ajudar a reconhecer e rir das nossas características essenciais."

"Colocar-me na cabeça de um garoto fictício, de seis anos e um tigre, me encoraja a ser mais alerta e inquiridor do que eu seria normalmente. Às vezes, eu me ressinto da pressão para explorar cada momento que passo acordado para idéias de tiras, mas no seus melhores momentos, a tira me faz examinar eventos e viver mais pensativamente. Eu adoro a solidão deste trabalho e a oportunidade de trabalhar com idéias que me interessam. Esta é a maior recompensa dos quadrinhos para mim."


Se gabar


Calvin: Esses dias de verão não são ótimos? Sem nenhuma responsabilidade! Temos o dia inteiro só para nós.
Calvin: Você não gostaria que fosse o ano inteiro assim? Sem escola, sem tarefas, sem nada?
Calvin: Vai ficar se gabando, é?


Imitando um vagalume


Calvin: Olha, um vagalume!
Haroldo: Sua traseira não acendeu, se é que é isso que você estava tentando fazer.
Calvin: Eu nem sei qual músculo flexionar.


Lixo tóxico


Calvin: Aqui tem uma cidadezinha.
Haroldo: Aqui tem uma escavadeira cavando um buraco gigante.
Calvin: Lá vai o trator empurrando milhares de barris de lixo tóxico
Calvin: Com o passar dos anos, esse veneno perigoso irá se infiltrar nos lençóis subterrâneos.
Calvin: A taxa de câncer das cidades vizinhas irá triplicar.
Haroldo: Se for me procurar, eu estarei debaixo da cama.


Claro que pode


Calvin: Alô?
Telefone: Posso falar com seu pai, por favor?
Calvin: Ué, você não precisa da minha permissão! Claro que pode!
Calvin: Que cara esquisito.


Sombra das árvores



Calvin: Ei! O que aconteceu com as árvores aqui? Quem tirou elas?
Calvin: Tinham muitos animais nessas árvores. Agora só tem um lamaçal.
Haroldo: Aqui diz “Futuro local do condomínio Sombras das Árvores”
Calvin: Animais não tem como comprar casas!
Haroldo: “Sombras das Árvores”? A única sombra que eu vejo é a daquele trator.


Herdando o mundo



Calvin: Levaram centenas de anos para essas árvores crescerem e eles acabaram com tudo em uma semana. Tudo se foi.
Calvin: Depois que construírem novas casas aqui, eles vão asfaltar as ruas e colocar postos de gasolina. E logo, logo essa área toda vai ser um caos.
Calvin: Eventualmente, não haverá nenhum lugarzinho legal para se ir.
Calvin: Eu me pergunto se não podemos nos recusar a herdar o mundo.
Haroldo: Eu acho que se você nasceu, já é tarde demais.


Não me deixe


Calvin: Mamãe diz que a morte é algo natural, assim como o nascimento. É tudo parte do ciclo da vida.
Calvin: Ela diz que ainda não se entende, mas tem muita coisa que não se entende, e temos que fazer o nosso melhor com o pouco de conhecimento que temos.
Calvin: Eu acho que isso faz sentido.
Calvin: ..mas não se atreva a me deixar.
Haroldo: Não se preocupe.



Há poucas fontes de humor mais constantes e regulares do que a mente de uma criança. Muitos cartunistas, ao criar personagens infantis, reconhecem isto, mas quando eles se propõem a captar o ativo mundo infantil, quase sempre se enganam, criando vergonhosamente crianças irreconhecíveis, ou seja, espertinhos, miniaturas de adultos.
Culpe-se que à negligência ou às recordações distorcidas, a maioria das pessoas que escrevem histórias em quadrinhos para menores demonstram surpreendente pouco tato - ou fé - ao lidarem com esta fonte original de material que é a infância, em toda a sua simplicidade e doçura. É neste aspecto que Bill Watterson se mostra tão original quanto seus personagens, Calvin e Haroldo.
Watterson o escritor que acertou ao captar com precisão a infância como ela realmente é, com suas constantes mudanças no sistema de referências. Qualquer um que tenha passado algum tempo com uma criança, sabe que para elas, a realidade depende profundamente da situação. Um afirmação que um adulto julga ser uma 'mentira', pode muito bem refletir uma profunda convicção da criança, pelo menos no momento em que esta aflora. A fantasia é tão acessível e é vivida com tal força e freqüência, que pais ressentidos como os de Calvin, convencem-se de estarem sendo manipulados, quando a verdade é muito mais assustadora: eles nem mesmo existem.
A criança é ao mesmo tempo rainha e guarda do seu reino, e pode mostrar-se muito exigente quanto aos companheiros que escolhe. Esta exclusividade, é claro, apenas provoca em alguns adultos a tentativa de recobrar os dons da infância para si próprios para, em realidade, tentar recuperar o irrecuperável. Uns poucos desesperados, fazem coisas que posteriormente os levarão à um centro para doentes nervosos. O restante de nós, mais sensatos, lêem Calvin e Haroldo.
(Garry Trudeau - cartunista, autor de Doonesbury)





Calvin: Veja, um pássaro morto!
Haroldo: Deve ter batido na janela.
Calvin: Ele não é lindo? É tão delicado. 
Calvin: Ai, ai... quando é tarde demais, você aprecia o milagre que a vida é!
Calvin: Você percebe que a natureza é impiedosa e a nossa existência é muito frágil, temporária e preciosa!
Calvin: Mas, pra prosseguir com os seus assuntos diários, você não pode pensar realmente nisso.
Calvin: ... que é provavelmente porque todo mundo não dá importância ao mundo e porque nós agimos tão sem pensar.
Haroldo: É muito confuso!
Calvin: Imagino que tudo vá fazer sentido quando nós crescermos.
Haroldo: Sem dúvida!

Desenhar é uma maneira de eu pensar na natureza das coisas e eu esbocei um pássaro morto, que encontrei com reflexões similares às de Calvin. Não são muitas tiras de domingo que começam com um primeiro quadro como este e eu me perguntei se os leitores o achariam ofensivo. Na verdade, eu recebi várias cartas comoventes de pessoas que haviam sofrido perdas e acharam que a tira tinha significado. Partilhando com as pessoas, eu sempre fico impressionado em ver como elas partilham de volta.

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